sexta-feira, novembro 12, 2004

Sei que é um pouco tarde para fazer o meu comentário sobre todos os assuntos tratados mas, mesmo assim, gostaria de o fazer sobre dois aspectos, ambos relacionados com a forma de actuação do professor e a mudança dessa forma de actuar.
Penso que realmente é muito difícil para os professores libertarem-se "dos espartilhos que os tem tolhido"(como foi referido pelo Sr. Prof. numa das intervenções), mas por vezes, a forma como "tudo" está organizado não possibilita essa libertação, mesmo no caso dos que querem e procuram tornar a libertação uma realidade. Posso dar como exemplo o que aconteceu com a disciplina de Ed. Musical que, com a reorganização curricular, passou a ter uma carga horária de noventa minutos semanais na maior parte das escolas. Como também já foi referido, quando estamos com uma turma de vinte alunos estamos a lidar com a diferença, mesmo que esses alunos venham de estratos sócio-económico-culturais semelhantes pois eles são diferentes - por isso o processo ensino-aprendizagem deve ser individualizado. Só considerando as difereças podemos promove a igualdade de oportunidades - dar a cada um a oportunidade de crescer, de se desenvolver não só nos aspectos em que tem mais capacidade mas também nos que demonstra mais dificuldade. Mas isto só é possivel se conhecermos minimamente essas diferenças. E o conhecimento requere tempo. Como é possivel aos professores de Ed. Musical, que leccionam um disciplina que só tem noventa minutos semanais, conhecer os seus alunos? Será que este facto não condiciona ou torna mesmo inviável a forma como todo o processo deveria acontecer?

O segundo aspecto também tem a ver com a actuação do professor e relaciona-se com a mudança que está a ocorrer na sociedade relativamente à importância dos média, na forma como influênciam a vida de todos nós. Penso que, neste caso, o posicionamento adoptado pela maior parte dos professores pode e deve ser alterado. Cada vez mais mais cedo e de uma forma mais intensa as crianças contactam com a televisão, a Internet e outros audio-visuais. Os professores não podem negar ou ignorar este facto. Pelo contrário, penso que os professores devem retirar desta realidade tudo o que de positivo ela possa oferecer para atingir os objectivos propostos. Porque a necessária "compreensão dos alunos e daquilo que trazem para a aula" referido por C. Cardoso no texto "Pedagogias diferenciadas para a educação multicultural. Como?" só existe se tivermos em conta todas as suas vivências e muitas dessas vivências ocorrem no contacto que esses alunos tem com os média no seu dia-a-dia.

quinta-feira, novembro 11, 2004

Minorias étnicas – discriminação positiva – “affirmative action”

O grupo Cláudia-Domingos-Paula-Vítor elaborou um pequeno mas muito denso texto que cobre muitos problemas e será uma bela fonte de discussão na nossa sessão presencial. Na esperança que ainda possam aceder hoje ao blog, avançarei já algumas ideias.

Na verdade, nos comentários que fiz ao texto do grupo Assunção-Isabel-João Paulo-Sara eu já introduzira o problema da discriminação positiva; aliás, a Sara, em post de ontem (10-11), teceu considerações importantes sobre o mesmo tema.

É evidente que o conceito de “minoria étnica” revela já a posição dominante de quem não se considera minoria (será, portanto, “maioria”…) Essa posição, que se pode confundir um pouco com arrogância, é porventura o aspecto que mais dificulta qualquer tentativa de interculturalidade. Recordo-me vagamente de um dia ter lido que, para efeitos interpretação de uma determinada prova psicológica, ela era calibrada tendo em atenção o adulto branco, “normal” e culto…

Nos Estados Unidos – onde estes problemas sempre tiveram maior acuidade – no Código Civil de 1866 constava que era garantido a todos os cidadãos "the same right to make and enforce contracts ... as is enjoyed by white citizens ... " (conservo o inglês por ser mais saboroso...). Bom, a Guerra Civil (1861-1865) apenas tinha acabado…

E no entanto, como sabem, ainda cem anos depois Luther King sonhava com a emancipação total dos negros (que ainda não aconteceu). Talvez por isso se tenha de compreender que a discriminação positiva encontre adeptos, como acontece modernamente com um conceito paralelo, a “affirmative action”, que até tem uma Associação (siga o link).
Define-se a “affirmative action” como “the set of public policies and initiatives designed to help eliminate past and present discrimination based on race, color, religion, sex, or national origin.”

É fácil ser contra – invocando os princípios que expõem; mas não haverá uma grande diferença entre o que se diz, o que se pensa e o que se faz? Descodifico: quando dizem que “ao avaliarmos os nossos sentimentos em relação a minorias étnicas, não estamos a distinguir o que à partida consideramos semelhante?”, eu posso perguntar: consideramos, dizemos que consideramos, pensamos que consideramos… e o que fazemos para expressar essa consideração?

Lembro que neste momento a Holanda está efervescente por causa do assassinato de Theo van Gogh – 40% da população branca deseja que os muçulmanos abandonem o país…

Não é fácil – nem deve ser possível – chegar a conclusões satisfatórias.

Amanhã prevejo algumas boas discussões…

Um aditamento

Encontrei uma ficha de leitura do livro Leading in a Culture of Change: podem lê-la aqui.

Concluindo...

Ainda em referência às reflexões do grupo Assunção-Isabel-João Paulo-Sara, uma palavra mais sobre a mudança… Depois dos anos 90 do século passado, muito se tem escrito sobre mudança nos sistemas educativos, e creio que muitos acreditaram – e acreditam – que a mudança é a única via para que a educação cumpra o seu papel. A par de mudança, outro termo se introduziu no vocabulário pedagógico com o seu quê de mágico – inovação. Será interessante agendar uma discussão sobre estes dois termos e o que podem representar em termos culturais para o currículo.

Há um autor que aprecio muito, Michael Fullan, professor no Ontario Institute for Studies in Education da Universidade de Toronto, no Canadá, que tem publicado extensamente sobre o tema mudança. (Acedam aqui a uma entrevista recente que ele concedeu ao Journal of Staff Development)

Poderão encontrar na nossa biblioteca livros de sua autoria como The New Meaning of Educational Change ou Change Forces: Probing the Depths of Educational Reform. Pena não existir um dos mais recentes, Leading in a Culture of Change.
Fullan reconhece sempre que a escola, como instituição, e os professores em especial, têm dificuldades em mudar, mesmo quando as condições objectivas se alteram.

Curiosamente, hoje mesmo, ao visitar o blog Abrupto, do político José Pacheco Pereira, deparei com estes parágrafos:

LER, ESCREVER, CONTAR E VER TELEVISÃO
O que a escola deve ensinar hoje.
(Contraditório: que a escola não pode ensinar-nos hoje, porque a escola mais eficaz já é a televisão, e a televisão não tem espessura para se ver a si própria.)
Ou, mais exactamente, ler, escrever, contar e saber ler/ver o fluxo digital que nos chega por vários média (televisão, CDs, rádio, Internet) e que no futuro nos chegará de forma integrada numa nova forma de Internet, que terá tudo: música, imagem, televisão, interactividade, jogos.E que estará perto de nós. Que estará muito perto de nós: nas paredes da casa, na roupa, no corpo.

Querem exemplo mais claro da necessidade de mudança?

Por aqui me fico, amanhã discutiremos estes e outros pontos na nossa sessão presencial.

quarta-feira, novembro 10, 2004

Continuando...

Continuando a análise dos aspectos levantados no vosso comentário, que como disse sumaria pontos importantes de teoria do currículo, nesta segunda “tranche” da minha prosa vou dar ênfase mais a aspectos do desenvolvimento curricular.
Dizem que nem todos os professores aproveitarão plenamente a liberdade que lhes é concedida; têm razão. A esmagadora maioria dos professores não só não a aproveita como, por vezes, a usa menos bem.
Eu parto sempre da ideia, que tento fazer compreender aos meus alunos, que o currículo não é o livro de texto (manual), não é o “programa” que o Ministério da Educação aprova, mas sim o que acontece quando professor e alunos se encontram (não necessariamente na sala de aula). Por exemplo, neste momento, eu estou convosco, a distância e ainda por cima de modo assíncrono, a construir o currículo da disciplina de Currículo e Cultura…
Claro que o ensino superior permite uma maior liberdade de acção, mas mesmo a outros níveis de ensino é possível (mais: é desejável) ter em atenção os alunos, estar atento ao que acontece à nossa volta, para podermos contextualizar as aprendizagens.
Aquilo que habitualmente se chama criar a motivação nos alunos é apenas o captar a sua atenção e vontade de aprender pelo despertar o seu interesse pelas aprendizagens que se querem eles apropriem. Quanto mais simples e actuais forem os motivadores, mais facilmente se consegue a motivação; e aqui, a liberdade de acção do professor é muito grande.
Sejamos no entanto justos: não é fácil, para os professores portugueses, a libertação dos espartilhos que os têm tolhido – manuais, programas… O nosso sistema de ensino é muito rígido (sinais recentes de mudança foram bloqueados, e pior do que isso, medidas tomadas contrariam a visão estratégica que existia e tendia a flexibilizar o currículo), contem ameaças (a Inspecção, por exemplo, que embora seja mais uma ameaça platónica de vez em quando fere) e, para cúmulo, nem sempre a relação escola – família funciona bem.
Contudo, não sendo fácil, é esse o caminho. Porquê?
Em primeiro lugar, porque estamos, em qualquer situação, a lidar com a diferença. Mesmo quando os nossos alunos provêm de estratos socio-económicos-culturais semelhantes, eles são diferentes; cada um terá uma maneira mais eficaz de aprender, e ignorar isso é minar a capacidade de o professor ter êxito. Por outras palavras, o processo de ensino-aprendizagem deve ser individualizado. Muitas pessoas pensam que só crianças com dificuldades de aprendizagem devam ter planos individualizados de aprendizagem, mas não. Uma turma com 20 ou mais crianças (sem problemas) não pode ser comandada como um exército; cada criança é um caso que tem de ser compreendido e acompanhado para tirar o máximo das suas potencialidades.
Por isso estou inteiramento de acordo convosco quando dizem que “a mudança… deve ser centrada no processo educativo”.
Farei ainda uma terceira visita ao blog para terminar esta análise.

Considerações sobre o texto da Assunção, Isabel, João Paulo e Sara

A vossa apreciação do texto de Carlos Cardoso referencia uma série importante de problemas que têm sido centrais na discussão teórica sobre o currículo. O primeiro, que radica em concepções marxistas claramente assumidas, sustenta que o currículo acaba sempre por reproduzir as desigualdades sociais. Dois autores franceses, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, têm um livro já clássico que intitularam La reproduction: Eléments d'une théorie du système d'enseignement (Ed. de Minuit, 1970). Segundo estes autores, os professores, mesmo inconscientemente, mesmo não desejando, acabariam por ser instrumentos de uma “violência simbólica” que tenderia a favorecer os mais bem instalados na vida e a prejudicar os oprimidos.

Há uma tradução em português deste livro (existe pelo menos um exemplar na Biblioteca da UM – Abade da Loureira); mas há vários exemplares na língua original e na Biblioteca do IEC uma tradução espanhola.

A visão muito politizada do currículo não deixa de ter razão. Por muito que se possa discordar, toda a educação tem um fundo político. Contudo, não pode deixar de se reconhecer que ao longo do tempo a educação tem tido como efeito promoções sociais significativas, que são mais visíveis quando toda estrutura da sociedade tende para uma igualização de facto.

Por vezes, tende a pensar-se que em educação deve funcionar o princípio da “discriminação positiva”, que teria como efeito conceder aos mais desfavorecidos condições de excepção para superarem as suas dificuldades (como por exemplo, no acesso ao ensino superior, a selecção poder ser menos exigente para alunos com handicaps a fim de permitir a continuação nos estudos, instituindo um sistema de quotas).

(Sobre este ponto, podem ler, aqui, um texto publicado em Educational Horizons, em 1995).

Um outro problema que levantaram e que foi muito popular no final dos anos 60 do século XX é o das expectativas dos professores e do que elas podem representar para a aprendizagem dos estudantes. Não sei se já ouviram falar da experiência que é conhecida como “Pigmaleão na Escola”. Têm, aqui, um pequeno texto introdutório.

Mas há um livro em português (Professores e Alunos Pigmaleões, de J. H. Barros de Oliveira, Edição da Livraria Almedina). Há vários exemplares nas Bibliotecas da UM, incluindo na do IEC.

Continuarei a analisar o vosso texto; penso que para já há matéria suficiente para poderem mais tarde aprofundar a discussão.